sábado, 5 de setembro de 2009

Acessibilidade ao ser humano

Sabe, estamos com banheiro novo na faculdade. Todo reformado, diferente do ‘ó’ que ele era. Lógico que, como tudo no serviço público, nada faz muito sentido. As obras começaram junto com as aulas do início do ano.
Agora ele está todo iluminado, com azulejo, com dois chuveiros e três sanitários. Antes só tinha um funcionando, isso dentro de uma escola que quase só tem mulheres.
Um dos banheiros é até aqueles com acessibilidade. Espaçoso, com barras de apoio para pessoas com dificuldades físicas. O vaso sanitário não é aquele 100% adaptado a deficientes, mas é alguma coisa.
Aqui, até que as coisas não são tão ruins. Temos elevador, rampas... por mais que algumas sejam mais inclinadas do que o que seria indicado, mas já alguma coisa.
Mas pra mim, o problema da acessibilidade não está nos equipamentos físicos, e nos recursos financeiros que eles demandam [e a própria vontade política no meio disso tudo]. A falta de acesso está em outro local. E está muito mais próximo do que a gente pode supor.
Hoje de tarde (segunda, 24 de agosto de 2009), saí de uma aula iluminada, de 3 horas e meia, falando sem parar sobre desnutrição. Nem preciso dizer que eu estou pirando com a carga absurda de informações, mas estou “mantendo a fé” em mim mesma.
Pois bem, lá estava eu na fila do micro-ondas (é assim na reforma ortográfica? :S), quando me chamam a atenção para uma pessoa que está na porta da sala. Um senhor franzino, com um Riocard azul [de deficientes físicos] pendurado no pescoço, com uma cara de quem está perdido, ou procurando algo. Bom, estava na cara que não era nem aluno nem professor, até porque todo mundo se conhece naquela escola. E nem faço a menor idéia de como ele chegou na nossa caverninha. . O legal de tudo é que as pessoas olham (mas não vêem) e devem pensar: ‘foda-se, não é comigo’ e voltam a sua posição inicial. Pronto.
Fiquei olhando aquela sala barulhenta e só vi uma opção. “Bueno, a ver que pasa”.
Fui até o senhor e ele me apontou a boca e o ouvido. Surdo-mudo. Mostrou-me seu Riocard, pra ver se minha ficha caía. Claro que comunicação é difícil, mas não acho que ele fica chateado quando alguém faz a tentativa de ajudá-lo. Muito pelo contrário. Mesmo estando com o tal problema, que eu ainda não sabia qual era, ele tinha olhos bondosos e um sorriso simpático, quem sabe tentando fazer as vezes de uma abordagem “Oi, tudo bem? Pode me ajudar”.
Aí, ele começou a me apontar uma pessoa. Pensei: “será que ele conhece alguém aqui?” Fui à direção que ele apontava, buscando o que raios ele queria. Até que chego numa menina que está batendo papo com mais duas meninas. Acho que perguntei a ela algo se ela conhecia aquele senhor. Na porta, porque estava apontando pra ela. Ela disse para mim: ‘não sei, ele me deu isso aqui’. Putz, caiu a minha ficha. A anencéfala estava com uma prancheta na mão.
Há quanto eu não via essas pessoas que pediam contribuição com pranchetinha a tiracolo. E a grande anancéfala pega a prancheta, segura e fica conversando. Quer dizer, está numa faculdade de nutrição e mal se dá o trabalho de ler o que o senhor tinha lhe dado. Caramba, não é muito difícil ser indiferente sem pelo menos não atrasar o lado alheio.
Peguei a prancheta e expliquei pra um grupinho a situação do senhor, e pra passar a bendita prancheta. Alguns prestaram atenção no que estava escrito e ajudaram. Outros, fizeram aquela cara de ‘que porra é essa?’. Nessa hora, interceptei a prancheta, quando percebi que ela ia empacar, ficar jogada no sofá, ou algo do tipo. Lógico que dei minha esmola.
Sim, isso é esmola. Uma historinha não diminui o peso de ser uma esmola. Mas o pior não é dar a esmola, e mesmo nem poder dá-la. O pior é esquecer o que isso significa.

You gotta get it right, while you got the time
‘Cause when you close your heart
Then you close your… mind!

Quando falo de acesso aos seus direitos básicos, acredito que o mais importante é o ‘acesso ao respeito’. O acesso não está numa barra de apoio, mas sim no próprio ser humano, na sua mente, no seu coração, no seu sentimento de que “você é só uma parte de mim”.


Uma barra de apoio não devia ser colocada só porque existe uma lei, mas porque você realmente pensa: ‘puxa, esse é um direito básico para qualquer pessoa: ir e vir... e ficar’. Em síntese, é uma obrigação se importar com o bem estar do próximo, afinal você sou eu, estamos todos no mesmo barco. Sem isso, a vida se torna inviável. Aliás, ainda não perceberam que a coisa já está inviável?
Esse estado anérgico é o que degrada a nossa alma. Depois, não entendemos o porquê de nos sentirmos sós, incompletos. Falta amor à vida, no sentido mais geral que isso pode ter.
Há umas semanas atrás, estava tomando café quando minha mãe chegou em casa. “Filha, tem um cara morto na porta da sapataria. Ta lá, cheio de sangue”. Aí , vem a fase do ‘que absurdo’, comum aos anérgicos que veem todos os jornais só pra decorar os detalhes da tragédia. “Nossa, era um rapaz novo... Morrer desse jeito... Tem até polícia lá...”. Dois minutos depois: “É, devia ser bandido mesmo, por isso que morre assim”. Eu fiquei estupefata! O que minha mãe estava fazendo? Só um súbito pré-julgamento? Não só isso. Ela deve ter achado bem menos traumático ver a morte ali, na sua face mais crua, em que a gente vê que a vida não vale exatamente nada, e logo achar que foi um bandido que morreu. Esse sim, pode morrer jovem. Menos mal. Deve ter se sentido menos mal.
Beleza, ando ouvindo “Man in the Mirror” demais, além da dose recomendada? Talvez. Mas seja o que for, meus olhos nunca foram completamente vendados. Talvez... seja o caminho mais difícil, mas é o certo. E como diria o grande M. J., “se você é forte e bom, então você é mau”.
[Como eu amo essa frase, ainda devo citá-la mais umas setecentas vezes...]

P.S.: depois de alguns dias de uso, o banheiro começou a infiltrar. Já está agora interditado para fazer os reparos. Essa é a grande gestão de recursos públicos, senhoras e senhores!
P.S. 2: Aproveitando que segunda é o dia da independência do Brasil, e algo de patriótico invade o nosso ser [¬¬’], todos de pé e com a mão do coração para a execução do hino nacional.

Um comentário:

Anônimo disse...

Eu não sei se foi porque eu tava falando disso hoje na minha aula de Didática (sinto que vou comer o pão que o Diabo amassou nessa matéria que eu puxei do SÉTIMO período, enfim. Mas eu acho que posso resumir tudo que vc disse e ainda acrescentar mais coisas, só dizendo que as relações sociais que existem na nossa idéia de vida em grupo exclui qualquer individuo que seja diferente. Por isso, chega a ser ridículo, mas pesa mais o fato de um deficiente físico ser diferente do considerado normal (uma pessoa com o movimento do corpo ok) do que a sua dificuldade propriamente dita. Ou seja, se alguem não tem um olho é excluido sem que ninguem perceba pelo simples fato de não ter um olho, e não pq ele não enxerga. Ah, sei la, eu quero dizer uma coisa mais não explicar então acho que não da pra entender! hsuhasuas Enfim, quando a gente se encontrar a gente conversa e panz!
Bom, vou indo. Agora vou desmaiar ali na cama, com licença
beeeeeeeeeijos !!!
:***