sábado, 10 de abril de 2010

Rio 230 milímetros


Sim, o mundo é o próprio caos.
Mais uma vez, como boa e velha carioca (19 anos é coisa pra caramba), participo e vivencio a história sendo feita. A história da perda da dignidade humana.
Na segunda feira, cheguei em casa tranquilamente, porque quem anda sobre trilhos só é afetado mesmo em casos urgentes. E na hora que eu saí, a coisa não era assim tão urgente. Para variar, não liguei a televisão quando cheguei em casa e no dia seguinte, trens com atraso. Mas obviamente eu não tinha a menor noção do que acontecia.
Ao longo do caminho, a gente ia tendo dimensão da situação. Pra ser declarado habitante do Rio 40 graus, além de você ter obrigatoriamente um biquíni, uma cadeira de praia, uma cerveja e um ingresso do show do Mister Catra na mão, é recomendável também ter uma canoa ou coisa do tipo. Ainda tive sorte, porque meu trem não ficou muito tempo parado, e cheguei na Central do Brasil “só” no dobro do tempo normal. E na verdade, nem estava a fim de olhar a altura da água fora do cercadinho da Central. Foi aí que encontrei uma amiga da faculdade em meio a multidão, e nos convencemos, depois de algumas ligações e uma vontade em comum de voltar a dormir, de que era melhor voltar pra casa.
Já comentei aqui, e certamente não foi só uma vez, que muito se foca na tragédia e no sofrimento alheio (por exemplo: o morro do Bumba, em Niterói, virou “cromaqui” de cenário de jornal agora...) e pouco se explora e se cobra o que originou aquilo. Quer dizer, isso até se discutiu nos jornais, mas não foi a pauta mais longa dos programas. Edney Silvestre foi lá filmar o enterro de não sei quantas pessoas, pra extrair o que a morte pode te dar de mais cruel e triste. [Por isso aqui a TV é desligada quando mamãe vai trabalhar] Problemas estruturais são tratados como meras fatalidades. É isso que acontece em São Paulo, é o que vai acontecer aqui, ainda por muitos e muitos anos.
Tem uma professora minha que fala sobre o ‘pacto da mediocridade’ na nossa profissão. É um grande pacto, ele agora é firmado e celebrado na política e nos serviços públicos das grandes metrópoles.
Vou usar aqui um trecho de um texto que é matéria da prova de Educação Nutricional.
“(...) todo o trabalho é espaço formador do ser humano, mas quando impera o exercício do poder, usualmente, esse espaço é deformador do sujeito. A imagem de que detém o poder está associada à imagem de quem tem poder sobre nossas vidas.
Vários profissionais mostram-se sufocados e aprisionados pelo acúmulo de tarefas e sob pressão institucional. Assim, a impropriedade vivida no espaço da dominação significa viver sob o senhorio dos outros, significa, ainda, que esse alguém não é autêntico, os outros lhe arrebataram o ser, que passa a viver como naturalmente dominado.
Trata-se de uma forma alienada de estar no trabalho, possuído pelo trabalho, pelo que está determinado pela cultura dominante da instituição. Uma forma inautêntica de ser, não intencionalmente, mas levados pelo modo de ser harmonizado com as maneiras adequadas de ser no mundo da saúde pública e uniformemente submetidos à sua cultura, absorvidos numa trama de poderes e submissões:
‘(...) lançados num mondo desde o nosso nascimento, somos chamados, convocados a ser o que e como os outros são. Convocados a aprender a sermos impessoais. Somos chamados para sermos como se é no mundo, como se é de praxe, segundo o padrão (...). Esta impessoalidade (...) é um modo de se cuidar da vida inautenticamente.’”
Eliana Villa

Se tem a ver com o assunto ou não, eu não sei, mas esse é um modo de compreender o que é o pacto de mediocridade.
O contraponto entre o conformismo e a autenticidade é fundamental para que algo possa ser mexido nas estruturas do poder, mesmo que alguns edifícios frágeis caiam. Esses sim, devem ser demolidos, para que um novo modo de lidar com as “vidas humanas” (como disse o 777999 vezes o nosso prefeito) seja reconstruído em bases mais sólidas e justas.

Sim, o mundo é o próprio caos.
Mais uma vez, como boa e velha carioca (19 anos é coisa pra caramba), participo e vivencio a história sendo feita. A história da perda da dignidade humana.
Na segunda feira, cheguei em casa tranquilamente, porque quem anda sobre trilhos só é afetado mesmo em casos urgentes. E na hora que eu saí, a coisa não era assim tão urgente. Para variar, não liguei a televisão quando cheguei em casa e no dia seguinte, trens com atraso. Mas obviamente eu não tinha a menor noção do que acontecia.
Ao longo do caminho, a gente ia tendo dimensão da situação. Pra ser declarado habitante do Rio 40 graus, além de você ter obrigatoriamente um biquíni, uma cadeira de praia, uma cerveja e um ingresso do show do Mister Catra na mão, é recomendável também ter uma canoa ou coisa do tipo. Ainda tive sorte, porque meu trem não ficou muito tempo parado, e cheguei na Central do Brasil “só” no dobro do tempo normal. E na verdade, nem estava a fim de olhar a altura da água fora do cercadinho da Central. Foi aí que encontrei uma amiga da faculdade em meio a multidão, e nos convencemos, depois de algumas ligações e uma vontade em comum de voltar a dormir, de que era melhor voltar pra casa.
Já comentei aqui, e certamente não foi só uma vez, que muito se foca na tragédia e no sofrimento alheio (por exemplo: o morro do Bumba, em Niterói, virou “cromaqui” de cenário de jornal agora...) e pouco se explora e se cobra o que originou aquilo. Quer dizer, isso até se discutiu nos jornais, mas não foi a pauta mais longa dos programas. Edney Silvestre foi lá filmar o enterro de não sei quantas pessoas, pra extrair o que a morte pode te dar de mais cruel e triste. [Por isso aqui a TV é desligada quando mamãe vai trabalhar] Problemas estruturais são tratados como meras fatalidades. É isso que acontece em São Paulo, é o que vai acontecer aqui, ainda por muitos e muitos anos.
Tem uma professora minha que fala sobre o ‘pacto da mediocridade’ na nossa profissão. É um grande pacto, ele agora é firmado e celebrado na política e nos serviços públicos das grandes metrópoles.
Vou usar aqui um trecho de um texto que é matéria da prova de Educação Nutricional.
“(...) todo o trabalho é espaço formador do ser humano, mas quando impera o exercício do poder, usualmente, esse espaço é deformador do sujeito. A imagem de que detém o poder está associada à imagem de quem tem poder sobre nossas vidas.
Vários profissionais mostram-se sufocados e aprisionados pelo acúmulo de tarefas e sob pressão institucional. Assim, a impropriedade vivida no espaço da dominação significa viver sob o senhorio dos outros, significa, ainda, que esse alguém não é autêntico, os outros lhe arrebataram o ser, que passa a viver como naturalmente dominado.
Trata-se de uma forma alienada de estar no trabalho, possuído pelo trabalho, pelo que está determinado pela cultura dominante da instituição. Uma forma inautêntica de ser, não intencionalmente, mas levados pelo modo de ser harmonizado com as maneiras adequadas de ser no mundo da saúde pública e uniformemente submetidos à sua cultura, absorvidos numa trama de poderes e submissões:
‘(...) lançados num mondo desde o nosso nascimento, somos chamados, convocados a ser o que e como os outros são. Convocados a aprender a sermos impessoais. Somos chamados para sermos como se é no mundo, como se é de praxe, segundo o padrão (...). Esta impessoalidade (...) é um modo de se cuidar da vida inautenticamente.’”
Eliana Villa

Se tem a ver com o assunto ou não, eu não sei, mas esse é um modo de compreender o que é o pacto de mediocridade.
O contraponto entre o conformismo e a autenticidade é fundamental para que algo possa ser mexido nas estruturas do poder, mesmo que alguns edifícios frágeis caiam. Esses sim, devem ser demolidos, para que um novo modo de lidar com as “vidas humanas” (como disse o 777999 vezes o nosso prefeito) seja reconstruído em bases mais sólidas e justas.

Um comentário:

Luacarol disse...

Pois é Milla sensacionalizam o sofrimento ao extremo, mas a Globo, Band e etc não fazem nada para mudar a situação e aí fica a pergunta: Pq tanto sensacionalismo se nada muda? A morte/ julgamento da Isabella lá foi O acontecimento e as crianças que são espancadas dia a dia por seus pais ficam no esquecimento.. o pedreiro que matou 6 ficará super famoso agora, mas como pedófilo que acabou pra sempre com a vida de 2 crianças e seus familiares ele ficou apenas 4 anos na prisão. Agora, como matou 6 nossa!!!!!!!!! Aguenta a repercussão do caso... vale lembrar que como nosso código penal é uma M_ _ _ _ _ e daqui a pouco já estará na rua de novo...
Bom, acho que já desviei do assunto agora, mas td gira em torno da má vontade dos governantes de mudarem as coisas não é? Onde já se viu deixar construir casa em cima de lixão/ aterro? Onde já se viu deixar pessoas ocuparem várzeas de rios??

Enfim...