sábado, 21 de agosto de 2010

Sabe, eu tenho muita saudade do meu pai. Dos seus conselhos malucos, da sua forma de viver a vida, erradamente. Meu pai que me ensinou aspectos práticos da vida, e que me fez rir muito. Meu pai dando bicos na televisão que não saia mais som, uma imagem que nem o Alzheimer apaga da minha cabeça. Comer as rebarbinhas de massa de salgados. Quatro anos da infância dentro de um bar no Meier, lendo as revistas que o pessoal do salão de cabeleireiro dava pro meu pai, escutando meu walkman e fazendo experimentos importantes como: é possível colocar dez chicletes na boca? Resposta: não, o máximo para uma criança são seis.
Acabou de tocar Malandragem, da Cássia Eller. É minha música, sempre foi, pq meu pai sempre dizia que quando eu tinha meus dois ou três anos e tocava essa música no rádio, eu pulava no banco de trás do carro. O vento gelado da noite que batia na cara quando saíamos de noite do bar, naquele Chevette voltando pra casa.
Um dia, ele saiu de casa. Foi a melhor coisa que tinha acontecido naquele momento. E às vezes eu ia pro Jacarezinho passar um fim de semana com ele, e era muito bom. E um dia, ele resolveu ir embora. A crueldade da cidade grande, tentativas de 'empreendedorismo' em vão... Ele voltou pro Maranhão. Solteiro, com uma filha já criada, nada que pudesse mais prendê-lo aqui. Faz tanto tempo já. Tanto tempo, que até tenho uma irmã que não conheço, mas que já me deseja feliz aniversário pelo telefone.
Meu tio Massahaki. Saudade de ir pra Campo Grande, e vê-lo chegar com um saco cheio de sorvetes. E jogar video game naquela tv de 42 polegadas? Saudade daquela bala de leite, sempre à mão no rack da sala. Lembro até daquele música em japonês que ele ouvia no carro. Naquela festa, ele tinha bebido tanto, mas tanto tanto tanto uísque, que quando voltamos de carro, eu senti pela primeira vez medo de morrer! Ele foi meu pai também. O pai que leva a filha pros parques de diversão, pras festas, pra comer um cachorro quente, coisa que meu pai nunca fez. Um ser incrivelmente inteligente, até hoje devem ter coisas na minha mente que foram registradas do que eu acabava testemunhando, da conversa dos adultos. "Quando eu conheci vc, vc era bem pequenininha, chegava, falava, falava, falava, falava, não entendia nada!", ele me fala isso toda vez que bebia. E eu achava uma graça.
Quando a minha prima nasceu, todo mundo achou que eu ia ficar com ciúmes, porque eu ia deixar de ser a queridinha, a princesinha. Foi justamente o contrário.
Infelizmente, as pessoas não estão acostumadas com a generosidade, e quando tem uma oportunidade, acabam se aproveitando das pessoas. As coisas não ficaram tão bem. Eles foram pro Ceará, tentar a vida num projeto audacioso. Mas não houve jeito... Meu tio hoje vive no Japão, e na verdade nem lembro mais quantos anos que eu não os vejo. Peguei minha prima no colo, começar a falar... Mas não vi seus trabalhinhos de escola, não a vi escrever as primeiras palavras.
Uma criança sabe quando está sendo comprada, e há crianças que gostam de ser compradas. É certo, ele me dava muitos presentes, mas eu não o amo só por isso. Era a própria presença, o carinho que eu sentia. A alegria. A vontade de me ensaiar algo de bom. De me mostrar que eu podia ir longe, muito longe se eu quisesse e me esforçasse.
Meu tio Seu Chico. É, 'tio seu', invenção minha. Todo mundo o chamava de 'seu Chico', eu só acrescentei o 'tio'. Pensando agora, até me parece interessante, afinal ele não ficou com o nome igual ao Tio Chico da Família Adams. Podia até parecer que não, mas eu tenho um apreço muito grande por ele, acho que principalmente quando ele morava na minha rua. Outro cara que preza o estudo, dava livradas na cabeça da mulher, pra ver se ela aprendia as coisas. Tudo isso com o maior respeito, hahaha! Meu primo lindo, que chamava refrigerante de 'beca'. Não estava por perto quando ele apreendeu a falar 'refrigerante'. Só tio Seu Chico sabia fazer um churrasco. Sinto saudade de você, muitas saudades. E do seu churrasco, claro.
Sadao, Filipe... Porra, que saudades de ficar correndo feito retardado pela Cirne Maia, na frente das lojas. Era um pouco melhor quando vocês apareciam, pelo menos ia pro apartamento de vocês fazer nada, brincar... tinha horas que ficar olhando a paisagem naquele bar era muito chato. E a mega coleção de brinquedos de kinder ovo? Era assustador, porque estavam todos desmontados, era quase um cemitério kinder ovo. Coisa de menino, brincadeira de meninos, boca suja de meninos. Quem sabe vocês dois não sejam um pouco culpados por eu não usar maquiagem nem fazer as unhas. Hoje, estão em algum lugar da Bahia, não sei o que aconteceu...
E aí a gente percebe o quanto a vida é monótona. Grava um tape de alguma coisa que acontece, e aquilo recebe um, dois, três, cinquenta replays ao longo do tempo.
Todos eles me abandonaram. Foram embora. Mas eu sei que eu não tenho culpa, não deixaram de me amar por isso. e nem eles tem culpa. Foram embora porque tinham suas vidas, e às vezes temos que partir pra outros caminhos. 'Temos' não. As pessoas tem.
Porque na minha vida essa história sempre se repete e sempre vai se repetir. As pessoas que eu amo vão em busca de outras coisas, seguem suas vidas, e eu fico assistindo. Meu pai, meus tios, meus primos, meus amigos.
Todos vão em busca de algo. Mudar de vida, melhorar de vida, libertar-se de algo, ir em busca de um sonho, ter uma vida mais compatível com que acredita ser o certo. E quem fica?
Como bem disse a Jesus quando fomos embora do Maranhão, quem mais sofre na partida é quem fica, porque quem vai, vai voltar para seu lugar, ou vai em busca de algo. Para quem fica, só resta a lembrança. Minha tia Joana a abraçou e chorou.
Há alguns anos, e nos últimos tempos principalmente, eu pensava e imaginava como minha vida poderia ser.
Hoje, eu tenho certeza de como ela vai ser. Se eu morar em Laranjeiras e tiver um notebook, já vai ser alguma coisa.

E Michael, dias felizes não diminuirão a dor. Nós sabemos muito bem disso. Eles são a essência pura da ilusão, e nos recordam o quanto pudemos ser imbecis de poder acreditar que aquilo era real. Quem sabe um dia possamos conversar melhor sobre isso.

Um comentário:

Letícia Santanna disse...

Nunca me emocionei tanto ao ler um post! Me pego analisando demais a forma, mas dessa vez você detalhou um conteúdo com uma riqueza que senti o carro balançar na hora do "eu só peço a Deus um pouco de malandragem".
Temo que a vida seja sempre partida. Temo que não percebamos que enquanto nasce a saudade do ontem não vejamos o sol do hoje. Há amigos que nos restam. Você me resta! O tempo só prova quem veio pra ficar. E eu quero sempre poder contar com sua fraternidade. Acho que precisamos nos ver urgentemente.
Fico lendo essas confissões de quem teve um pai por perto e me lembro da minha mãe, desde muito cedo me dizendo que eu tive a sorte de não conhecer o meu, pra não me apegar assim... Ela não tem ideia da dor curiosa...
Em Madureira ou Laranjeiras, sua vida tem que ser feliz é já! E isso não é mais questão de esperar, e sim de agir!

Te amo!