sábado, 3 de janeiro de 2009

Situações atípicas

Hoje estou num dia bem estranho.


Ontem fui dormir às três da manhã e acordei às 5h30 da manhã. E aí vc deve estar se perguntando: por que este ser humano dormiu tão pouco e acordou tão cedo? Será que foi para admirar o belo nascer do sol?

Na verdade, não. Se o sol já nasceu todo esse tempo sem o meu importante testemunho, por que eu faria isso hoje? Enfim, foi o meu ouvido que me acordou. Dor de ouvido. Ou orelha, pela nova nomenclatura. Dor na orelha média, deve ser. Eu não sou de ficar doente, mas vez ou outra, tenho minhas dores de ouvido. Ou de garganta. E como eu não freqüento o Johrei Center, onde a doença pode ser considerada uma coisa boa, eu não suporto me sentir mal, ou me sentir minimamente doente.


E ainda mais acordando antes das seis. Meu Deus, eu vi chaves, telecurso 2000, GU, Ação, umas coisas que eu nunca veria, pois estaria tendo uma conversa muito séria com meu travesseiro! Enfim, um dia realmente atípico.

Como raramente se fica doente na choupana onde moro, não tinha um remédio sequer. Tive que esperar minha mãe chegar do trabalho pra assaltar a sua bolsa e pegar emprestado o analgésico. Isso eram nove horas.

Mais uma prova de que é um dia atípico? Ok, então lá vai. Aproveitei que minha mãe saiu de casa pra ler um pouco. Parasitologia, doença de Chagas. Quando foram onze horas, me lembrei que era sábado, e que neurônios não precisam ser tão estimulados nesse dia que geralmente é dedicado ao ócio. Qual não foi a minha surpresa de perceber que tinha lido dezoito páginas \O/. Tudo bem que tinham umas páginas com imagens, mas isso é muito pra mim. Eu tenho zero de concentração quando leio livros específicos, científicos. Mas até que estou indo bem. Realmente, hoje é um dia atípico.


Enfim, estudar é muito bom. Ter o privilégio de fazer uma faculdade de saúde em um país de analfabetos funcionais é uma honra, é uma sensação inexplicável. Lembro que uma vez, estava vendo o Jornal Nacional (coisa atípica também) e eles informaram, dentro de uma notícia lá, que as universidades públicas de todo o país tinham cem mil estudantes e mais alguma coisa, não me lembro se eram só as federais. Eu olhei praquele número e me perguntei “eu tô aí no meio? Dentre 180 milhões de pessoas, eu tô aí”. Eu me senti muito privilegiada. E sortuda também.


Nesse ano de 2008, antes de mudar de faculdade, veio também outra mudança. Mudou a minha visão sobre a profissão que escolhi. É fato que todos os que escolhem a nutrição tem a mínima noção de que ela envolve alimentos, alimentação saudável e dietas. A minha surpresa foi descobrir que ela não é nada disso. Ou quase nada disso. Ou não só isso.


Eu me interessei pela nutrição há muito tempo atrás, desde que li uns livros antigos que estavam aqui em casa, de uma nutricionista que era “amiga” do meu pai. Isso há mil anos, quando ele um dia trabalhou de carteira assinada, isso faz muito, muuuuuuito tempo. Eu fiquei encantada com aquela mulher totalmente louca, que falava desde leite materno a desvio de verbas de merenda escolar. Achei aquilo fantástico, e desde aquele instante, já sabia o que ia fazer.


É verdade que não sei por que cismei com a nutrição. Mas eu sei exatamente do que eu não gosto, e todas as outras carreiras me pareceram extremamente chatas e sem um conteúdo lógico. Tudo seria um porre, menos a nutrição. Então foi aí mesmo que me abriguei.


Mas voltando a mudança. No ano de 2008, redescobri a nutrição, e foi um momento muito oportuno. Tudo isso começou na veiga, com uma professora maravilhosa, que tem uma experiência incrível e invejável em saúde pública. Pessoa que arregaça as mangas e que nos ensina a fazer o mesmo. É uma pena que os estudantes meia-boca de nutrição não enxerguem, não visualizem, não percebam a importância da saúde pública. Talvez porque as meninas (principalmente as meninas, os poucos meninos que fazem nutrição arrebentam, eu disse geralmente) se vejam trabalhando na sua cliniquinha meia-boca, com suas clientes de mente meia-boca, ou num hospitalzinho particular meia-boca, fazendo dietinhas meia-boca. Enfim, trabalhinhos meia-boca, que deem para comprar sapatos novos todo mês, sei lá.


Acho que todos os professores decentes que temos, de uma maneira ou outra, tiram a venda dos nossos olhos para a realidade da coisa. Mas cada um com seu aspecto. Como um professor meu, que no alto da sua sabedoria de estagiário, como ele diz sempre, passou uma dieta com bife para um homem que não tinha dentes. E essa é maior lição que tanto ele, como todos nós devemos levar de uma graduação: não estamos lidando com um prontuário, com um número, com um objeto, e sim com um ser humano, que deve ser visto como algo integral, e não como um estômago ou um coração danificados, que precisam de “conserto”.


Enfim, mudando de faculdade, isso engrandeceu. Ainda mais. Foi nesse período que conheci melhor tudo o que cerca a nossa profissão. A sua formação, a sua importância, seus problemas e desafios.


Agora, a parte fundamental que esqueceram no meio do caminho, e que aliás todo mundo esqueceu, é que a nutrição não foi criada para fins estéticos, para modelos e atrizes estarem bem para desfilar no carnaval. A nutrição, o profissional nutricionista foi idealizado por um dos intelectuais mais brilhantes do MUNDO. Brasileiro? SIM, SENHOR! É um privilégio ter nascido no mesmo país que Josué de Castro, e é uma vergonha pra mim que os ditadores tenham mandado ele pra Paris, como uma das primeiras medidas de “proteção” à “ordem”.


Esse é um homem brilhante. Li o seu livro mais famoso, que o tornou conhecido em todo o mundo: Geografia da Fome. Uma obra tão, mas tão brilhante, narrada com um realismo sem ter sensacionalismo, apenas expunha a realidade, a verdade, que estava na cara de todos, e ninguém queria enxergar. Olha, confesso que li o prefácio, introdução, essas coisas, e parecia que ele tinha escrito na semana passada, sendo uma obra da década de 50.


O profissional nutricionista não foi criado com o objetivo de embelezar mais os belos, ou para ir no globo repórter uma vez por mês e fazer uma falsa prestação de serviços a população. O nutricionista deveria ter a função social de munir-se dos conhecimentos necessários para atenuar e buscar saídas para diminuir a fome que assola até hoje o nosso povo. Parece que as coisas se perderam no meio do caminho.


No fim, saíram todos perdendo. Tanto o nosso povo, quanto os nutricionistas. Pois a nossa categoria enfrenta problemas sérios, como o baixo reconhecimento social, problemas na grade curricular dos cursos e consequente problema de formação, que culmina num profissional inseguro, que tem baixos salários, além da falta de integração entre os profissionais. Mas de tudo isso, o profissional só reclama do baixo salário. Aí é fácil: como você quer ganhar mais se você não estuda? Não produz conhecimento na sua área? Não ajuda a sua profissão como um todo a se erguer?


E ainda tem uma coisa. Num depoimento dado a uma professora minha que fez uma dissertação de mestrado falando sobre identidade do nutricionista, uma profissional falou assim: “a maior inimiga de uma nutricionista é outra nutricionista”. Pra você ver que o coleguismo é um bixxxxurdo de bom.


É só problema. E eu ainda escolho uma carreira cheia de neuroses e pitis, igualzinha a mim (e ao jaime tbm, mas ele tem mais síndromes...).


Sabe que a doença de Chagas foi um ótimo gancho pra comentar esse assunto? Porque essa é mais uma das centenas de doenças existentes no nosso país que é causada pura e simplesmente por pobreza. Se todas as casas fossem de tijolo e reboco, não existiria a doença de Chagas, uma doença terrível, que quando se manifesta, deixa a pessoa com o coração gigante (e descobri hoje q tbm pode ter megaesôfago, megacólon, e em todos os órgãos ocos), e no fim, ela não consegue nem falar. Porque cansa, cansa muito. Trágico, triste, horrível.


Em pensar que coisas tipo esquistossomose são estudadas nas universidades americanas como espécies de “lendas” lá, pois isso não existe num país rico... O Brasil não é o país do futuro, nem nunca será. Faz décadas que dizem que o Brasil vai ser isso ou aquilo. E ele nunca é. Nunca é nada. Não adianta o PIB crescer não sei quantos por cento, se eu não vejo diferença na minha vida, na vida do meu vizinho, em nada. E também não adianta dar bolsa família, se ele não vem acompanhado de coisas que realmente fazem a diferença: saúde e educação. E NÃO VEIO. Sinto informar, presidente, mas essa promessa você não cumpriu. Eu sou um problema pros políticos, eu nunca esqueço promessas de campanha.


Talvez porque gente instruída e com força física e mental para lutar pelos seus direitos seja perigosa. Aliás, perigosíssima.


Ninguém segura esse país.


P.S.: Ah.. Mais coisas sobre Josué de castro. Ele foi um dos secretários da ONU, na FAO, acho que chegou até a presidi-la quando ficou exilado em Paris. Era médico e também geógrafo, e relacionava como ninguém os aspectos ambientais, sócio-econômicos e biológicos que envolviam o ser humano. Chegou a ser ministro do JK, se não me engano, mas esse também era um malandrinho, e na vdd, a parte da alimentação (e da educação também) foi preterida no seu plano de metas, Brasília foi mais importante. O importante a se destacar é que Josué não era só mais um que falava bonito, que discursava lindamente e que nada fazia de real e efetivo. Pelo contrário, tinha projetos, projetos reais, verdadeiros e exequíveis. O que faltou (e sempre faltará) foi a disposição dos governantes para coloca-los em prática.

P.S.2: Em processo de adaptação às novas regras da língua portuguesa. Mas o word não ajuda, p*rra! Ele coloca o trema automático, o circunflexo nas palavras q tem vogal repetida. Aí fica difícil...

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